SENTENÇA DECLARATÓRIA - AÇÕES PREFERENCIAIS DO BANCO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - BESC.
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, para
o fim de declarar revistos os contratos bancários celebrados entre as partes,
declarando se o saldo devedor, já com a compensação de valores decorrente de crédito
de titularidade do autor RAFAEL CASAGRANDE BILLIA junto ao BANCO DO BRASIL S.A.,
adquirido através de ações preferenciais do Banco Estado de Santa
Catarina-BESC.
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO FORO DE SÃO
JOSÉ DO RIO PRETO 8ª VARA CÍVEL RUA ABDO MUANIS, 991, São José do Rio Preto -
SP - CEP 15090-140.
Processo
Digital nº: 1024735-79.2015.8.26.0576
Classe -
Assunto Procedimento Comum Cível - Obrigações
Requerente:
Rafael Casagrande Billia
Requerido:
BANCO DO BRASIL S/A
Juiz(a) de
Direito: Dr(a). PAULO ROBERTO ZAIDAN MALUF
v
i s t o s.
Trata-se de ação declaratória
sustentando o autor, em síntese, que em razão de dificuldades financeiras
firmou com o banco réu diversos contratos para liberação de créditos no valor
total de R$ 298.589,01 (duzentos e noventa e oito mil, quinhentos e oitenta e
nove reais e um centavos). Contudo, o banco réu alega que o valor devido é de
R$ 479.797,58 (quatrocentos e setenta e nove mil, setecentos e noventa e sete
reais e cinquenta e oito centavos).
Afirma ser detentor de crédito junto
ao banco, adquirido através de ações preferenciais do Banco Estado de Santa
Catarina-BESC, que foi incorporado pelo Banco do Brasil.
Requer, portanto, que o débito que lhe
é cobrado seja declarado extinto, compensando-se os valores em razão do crédito
decorrente das ações preferenciais.
A instituição financeira foi citada e
apresentou contestação com preliminar de inépcia da inicial.
Quanto ao mérito, afirma que o(s)
contrato(s) bancário(s) celebrado(s) entre as partes não contém qualquer
irregularidade ou abusividade, porque formalmente e materialmente perfeito(s);
ademais, os juros incidem nos termos legais e livremente pactuados, ao passo
que os valores debitados foram calculados tendo como base o valor do principal.
Alega ainda a impossibilidade de
compensação, pois o autor não comprovou ser titular do crédito supostamente
obtido junto à incorporada Banco Estado de Santa Catarina-BESC.
Vieram aos autos réplica e novas
manifestações das partes. Saneado o feito, foi determinada a produção de prova
pericial para apuração de eventual saldo credor/devedor (fl. 196 dos autos),
sendo o laudo técnico juntado as fls. 347/394 dos autos, com esclarecimentos
complementares as fls. 459/502 dos autos.
Encerrada a instrução processual, as
partes apresentaram alegações finais. O julgamento do feito foi convertido em
diligência, determinando-se a intimação do Banco do Brasil S.A. para se
manifestar de forma específica e direta acerca da possibilidade de compensação
do débito com as ações preferenciais adquiridas pelo autor do Banco Santa
Catarina (incorporado pelo BB), bem como juntar aos autos documentos idôneos
comprovando o valor atualizado das ações preferenciais adquiridas pelo autor
(fl. 535).
Em razão das manifestações das partes,
foi determinada a intimação do Sr. Perito para prestar esclarecimentos,
analisando a possibilidade de compensação requerida pela parte autora (fl.
569).
O laudo técnico complementar foi
juntado as fls. 576/596 dos autos, sobre o qual as partes foram intimadas e apresentaram
manifestações.
É
o relatório. Fundamento e DECIDO.
As partes firmaram contrato(s)
bancário(s), obtendo o usuário crédito para livre utilização. Vencido o prazo
contratual, pretende o correntista a revisão dos valores que considerados abusivos,
alegando ainda a possibilidade de compensação da dívida em razão de ser
detentor de crédito junto ao banco, adquirido através de ações preferenciais do
Banco Estado de Santa Catarina-BESC, que foi incorporado pelo Banco do Brasil.
Nesse diapasão, esclareça-se que as partes celebraram acordo de vontades que
deve ser respeitado segundo os termos previamente pactuados, porque ao firmar a
avença, assumiram obrigações cuja inexecução acarreta as consequências
previstas no contrato.
Quanto ao denominado “spread”, ou
seja, a rentabilidade das operações financeiras, medida pelo diferencial entre
as taxas de juros de captação e aplicação, a questão da rentabilidade está
afeta ao objeto social da instituição financeira, podendo os interessados
buscar, livremente, dentre as inúmeras casas bancárias, as melhores taxas
oferecidas pelo mercado.
Por outro lado, sobre a alegação de
que são excessivos os juros cobrados, deve-se asseverar, de início, que não se
carreou aos autos elemento algum de cobrança de taxas e juros extorsivos, acima
do patamar permitido pelas leis vigentes.
O ordenamento jurídico atual
posiciona-se no sentido de que o credor, em hipóteses como a de que tratam
estes autos, por integrar o sistema financeiro nacional, está autorizado a
convencionar mútuos à taxa do mercado, conforme dispõe a Lei nº 4.595/64, ou
seja, fora do controle da Lei de Usura (Decreto nº 22.622/33), que, em tais
casos, constitui norma disciplinante de juros apenas quando inexistente pacto
entre os concordantes. Destarte, não é ilegal a capitalização de juros.
Esclareça-se, ainda, que o meio
financeiro pratica taxas que envolvem mercado “sui generis” com as suas regras
de natureza própria, amplamente sustentadas por legislação especial e com
atuação fiscalizada pelos órgãos públicos competentes, de forma que deve
prevalecer, repita-se, os exatos termos do contrato firmado entre as partes.
Nem se pretenda, no caso, a incidência
do antigo dispositivo da Constituição Federal a determinar o limite de juros de
12% ao ano (artigo 192, § 3º), seja porque já revogado, seja porque, no período
em que esteve em vigor, não havia lei complementar a regulá-lo, bem como a
disciplinar a expressão "juros reais". Esclareça-se que o “caput” do
dispositivo legal mencionado estabelece que o sistema financeiro nacional
"será regulado por leis complementares", portanto, a lei regulará o
sistema financeiro nacional.
Deste modo, não há que se falar em
abusividade das cláusulas, em desrespeito ao consumidor, porque, repita-se, os
termos e condições contratuais, livremente pactuados - mesmo que na forma de
contrato de adesão -, não afetam de forma unilateral e leonina a avença. Assim,
as partes firmaram contrato bancário, assumindo responsabilidades, havendo de
ser respeitado o “pacta sunt servanda”, tão bem definido pelo mestre ORLANDO
GOMES: “(...) celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e
requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes, como se
suas cláusulas fossem preceitos legais, imperativas.
O contrato obriga as contratantes
sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido”. (Contratos,
Forense, 5ª ed., p. 43).
E prossegue o renomado jurista: “A
liberdade de contratar propriamente dita é o poder conferido às partes
contratantes de suscitar os efeitos que pretendem, sem que a lei imponha os
preceitos que traça.
Em matéria, contratual, as disposições
legais têm, em regra, caráter supletivo ou subsidiário, somente se aplicando em
caso de silêncio ou carência das vontades particulares. Prevalece, desse modo,
a vontade dos contratantes. Permite-se que regulem seus interesses por forma
diversa e até oposta à prevista em Lei.
Não estão adstritas, em suma, a
aceitar as disposições peculiares a cada contrato, nem a obedecer às linhas de
sua estrutura legal. São livres, em conclusão, de determinar o conteúdo de
contrato, mas nos limites impostos pela Lei” (Contratos, Forense, 5ª ed., p.
32).
Prosseguindo, inconteste é que o
contrato bilateral pressupõe acordo de vontades para a sua constituição e, uma
vez formalizado, as partes estão obrigadas, pelo princípio da
irretratabilidade, ao seu fiel cumprimento, porque em que pese as cláusulas
terem sido previamente impressas, o correntista com elas concordou no ato da
contratação, tanto que obteve crédito especial, e em momento algum negou esse
fato.
Por fim, anote-se que a cobrança de
tarifas bancárias obedece ao previsto em Resoluções do Banco Central do Brasil,
ao passo que a capitalização de juros, uma vez prevista no contrato, não se
apresenta abusiva, tampouco é ilegal.
Assim, se o consumidor foi previamente
informado dos encargos decorrentes do contrato e com eles livremente concordou,
ao aproveitar-se do empréstimo/crédito especial/financiamento, ao qual,
frise-se, não era obrigado, não se revisam, em nome da segurança do ato
jurídico perfeito, os negócios jurídicos conscientemente pactuados, de acordo
com a legislação em vigor, sob pena de se agravar todo o sistema financeiro,
acarretando, em última instância, a majoração dos encargos nos novos contratos,
onerando os demais consumidores e as operações bancárias, que certamente
sofrerão com o chamado “custo Brasil”. Saliente-se que o artigo 370 do Código
de Processo Civil prescreve que caberá ao juiz determinar as provas necessárias
ao julgamento do mérito.
Neste sentido, para sanar a
controvérsia, principalmente no tocante à possibilidade de compensação da
dívida em razão de ser detentor de crédito junto ao banco, adquirido através de
ações preferenciais do Banco Estado de Santa Catarina-BESC, que foi incorporado
pelo Banco do Brasil, tornou-se imprescindível a realização de perícia técnica
contábil. Acresça-se que nos termos do artigo 371 do Código de Processo Civil,
“o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que
a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu
convencimento”.
A perícia técnica foi realizada, sendo
analisados os contratos bancários celebrados entre as partes, apurando-se os
saldos remanescentes em cada operação bancária, conforme se observa dos
cálculos efetuados pelo Sr. Perito, que integram o laudo pericial apresentado a
este Juízo.
Ademais, devidamente intimado para se
manifestar acerca da possibilidade de compensação da dívida, em razão do
crédito que o autor alega ter obtido junto à incorporada Banco Estado de Santa
Catarina-BESC, manifestou-se o Sr. Perito, também juntando cálculo contábil.
Conforme conclusão dos trabalhos, analisando-se o valor do crédito que o autor
possui, o Sr. Perito apontou um saldo devedor, frise-se, já com a compensação
de valores, no montante de R$ 201.158,00 (duzentos e um mil, cento e cinquenta
e oito reais), atualizado em 01-03-2019, conforme fl. 584 e fl. 591 dos autos.
Importante ressaltar que a
titularidade do autor quanto aos créditos alegados também foi analisada pelo
Perito, que declarou em resposta ao quesito formulado pelo banco, que
há nos autos dois documentos indicando que o autor é titular do crédito, sendo
eles as fls. 182/183 títulos de ações preferenciais e outro uma certidão
de procuração de direitos creditórios, nos quais constam que o cedente é
possuidor de R$ 1.525 ações preferenciais cujo valor corresponde a R$
479.797,58 (quatrocentos e setenta e nove mil, setecentos e noventa e sete
reais e cinquenta e oito centavos), atualizados para 01-07-2015. Confira-se,
pois, fl. 598 dos autos.
Anote-se ainda que o Sr. Perito
solicitou ao banco, desde o início dos trabalhos, diversos documentos, dentre
eles aqueles referentes às ações preferenciais e seus correspondentes valores,
conforme pode-se notar a fl. 267 dos autos.
Porém, o banco não trouxe aos autos os
valores de mercado das ações, conforme afirmado de forma categórica a fl. 590
do laudo técnico.
Frise-se que o Sr. Perito cumpriu seu
encargo escrupulosamente, de modo isento e equidistante, não havendo que se
falar em valor diverso do apurado. Saliente-se, por fim, que esta ação visa
especificamente a declaração de revisão dos contratos bancários, com a
possibilidade de compensação de dívida, não havendo pedido condenatório.
Neste sentido, dispõe o artigo 492 do
Código de Processo Civil que "é vedado ao juiz proferir decisão de
natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou
em objeto diverso do que lhe foi demandado". Portanto, deverá a parte
interessada ajuizar ação própria, distribuída livremente, visando ao
recebimento de saldo devedor verificado no laudo pericial, podendo, inclusive,
utilizar-se de prova emprestada, tal como a produzida nestes autos.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, para o fim de declarar
revistos os contratos bancários celebrados entre as partes, declarando se o
saldo devedor, já com a compensação de valores decorrente de crédito de
titularidade do autor RAFAEL CASAGRANDE BILLIA junto ao BANCO DO BRASIL S.A.,
adquirido através de ações preferenciais do Banco Estado de Santa
Catarina-BESC, que foi incorporado pelo Banco do Brasil S.A., no montante de R$
201.158,00 (duzentos e um mil, cento e cinquenta e oito reais), atualizado em
01-03-2019, conforme fl. 584 e fl. 591 dos autos (laudo técnico pericial),
atualizado e corrigido monetariamente até data de apresentação do laudo em
Juízo (01-03-2019).
Nos termos do artigo 86, caput, do
Código de Processo Civil, se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido,
serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.
Deste modo, condeno a parte autora ao
pagamento das custas processuais no percentual de 50% (cinquenta por cento) do
total devido e, ainda, honorários advocatícios ao réu, que fixo em 10% (dez por
cento) sobre o valor da causa; ao passo que arcará a parte ré com o pagamento
das custas processuais no percentual restante de 50% (cinquenta por cento) do
total devido e, ainda, honorários advocatícios ao patrono do autor, que fixo em
10 % (dez por cento) sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 85,
§ 2º, do Código de Processo Civil, vedada a compensação de honorários, nos
termos do § 14, do artigo 85, do Código de Processo Civil. p.i.c.
De acordo com o Provimento n.º 916/2016
da Corregedoria Geral de Justiça, as unidades judiciárias estão dispensadas do
cálculo e da indicação do valor de preparo recursal, em razão da revogação do
artigo 1.096 das NSCGJ e em conformidade com o disposto no artigo 1.010, § 3º,
do Código de Processo Civil.
São José do
Rio Preto, 09 de maio de 2019.
Paulo Roberto
Zaidan Maluf Juiz de Direito
assinatura
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