quarta-feira, 23 de setembro de 2015

DESAPROPRIAÇÕES REGIÃO DE FRONTEIRA PARANÁ – PIQUERI E POLATINA ANO DE 1974 – PARECER DO EX-MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ILMAR GALVÃO (STF).




DESAPROPRIAÇÕES REGIÃO DE FRONTEIRA PARANÁ – PIQUERI E POLATINA ANO DE 1974 – PARECER DO EX-MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ILMAR GALVÃO (STF).


ACAO DIVERSA Nº 92.10.12143-0 (PR) / 0012143-96.1992.404.7002
Data de autuação: 06/10/1992
Observação: LIMINAR PARA QUE TRANSITE EM JULGADO A R. SENTENCA DO MERITO DESTE FEITO ( LEI 7347/85) 500.000.000.000.00 QUINHENTOS BILHOES DE CRUZEIROS
Juiz: Luciana da Veiga Oliveira
Órgão Julgador: JUÍZO FEDERAL DA 01A VF E JEF CÍVEL DE FOZ DO IGUAÇU
Órgão Atual: 01A VF E JEF CÍVEL DE FOZ DO IGUAÇU

Situação: INCOMPETENCIA-BAIXA
Competência: Cível
1. Direito Civil e outras matérias do Direito Privado


DECRETO N° 73.812, DE 12 DE MARÇO DE 1974.

Declara de interesse social, pra fins de desapropriação, imóveis rurais situados no Município de Palotina Estado do Paraná, compreendidos na área prioritárias de Reforma Agrária, de que trata o Decreto nº 69.411 de 22 de outubro de 1971.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o inciso III, do artigo III, do artigo 81 e o artigo 161, § 2°, da Constituição e nos Termos do artigo 18, letras "a", "b" e "d", da Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964 e do Decreto-Lei n° 554, de 25 de abril de 1969,

DECRETA:

Art. 1º É declarada de interesse social para fins de desapropriação, nos termos dos artigos 18, letra "a", "b" e "d", e 20, inciso V, da Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, uma área de terras, pertencentes a diversos proprietários, medindo, proximadamente, 48.358,73ha (quarenta e oito mil, trezentos e cinqüenta e oito hectares e setenta e três ares), denominada Colônia Piqueroby e Rio Azul, também conhecida como imóvel Palotina ou imóvel Piquiri, situada no Município de Palotina, Estado do Paraná.

Parágrafo Único. A área do imóvel, a que se refere este artigo, limita-se ao norte pelo Rio Piquiri, confrontando com terras do município de Imporã; ao Sul, por uma linha seca de rumo L-W, confrontando com terras de MARIPA - Madeireira Rio Paraná S.A., ao Leste, pelo Rio Azul, confrontando com terras de Colônia Pindorama e Peroibe; a Oeste, por uma linha seca rumo N-S, confrontando com terras da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração. Tudo de acordo com projetos e títulos expedidos pelo Estado do Paraná através do Departamento de Geografia, Terras e Colonização.


DECRETO-LEI Nº 1.942, DE 31 DE MAIO DE 1982.

Dispõe sobre terras situadas em área indispensável à segurança nacional, no Estado do Paraná, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 55, item I, da Constituição Federal,

DECRETA:

Art 1º - As terras situadas em área indispensável à segurança nacional, no Estado do Paraná, reconhecidas de domínio da União pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão nos autos da Apelação Cível nº 9621-1-PR, terão a disciplina contida neste Decreto-lei.

Parágrafo único - A execução daquele acórdão far-se-á gradualmente, conectada à concretização das medidas a seguir previstas, através de ação conjunta da Procuradoria-Geral da República e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.

Art 2º - Os imóveis rurais abrangidos pelo acórdão referido no art. 1º serão alienados aos seus legítimos possuidores, independentemente de licitação, observado o seguinte:

I - àqueles legítimos possuidores que hajam anteriormente pago, ao Estado do Paraná ou à Fundação Paranaense de Colonização e Imigração-FPCI, ou a sucessores destes, preço pelo bem possuído, a alienação far-se-á sem novo pagamento;


Reclamante: UNIÃO FEDERAL
Reclamados: Espólio de REINADO MUSSI e outros
AÇÃO DIVERSA Nº 92.10.12143-0 (PR) / 0012143-96.1992.404.7002

M E M O R I A L.


I – A reclamação

1.- Trata-se de reclamação ajuizada pela União Federal, objetivando impedir o levantamento de valores que se acham depositados em Juízo, alusivos a indenizações devidas pelo INCRA, fixadas por sentença transita em julgado, em ação de desapropriação de lotes situados na Colônia Piqueroby, no Município de Palotina, Estado do Paraná.

2.- A medida foi ajuizada na forma prevista no art. 102, I, l, da CF, em face de acórdãos do TRF da Quarta Região que reformaram despacho do MM. Juízo Federal da Segunda Vara de Umuarama, Estado do Paraná - proferido em ação declaratória de nulidade de título dominial e cancelamento de registros imobiliários proposta pela União, sob alegação de que se estava diante de imóveis integrantes do patrimônio público federal - pelo qual foi determinada a suspensão do levantamento dos referidos valores.

3.- Segundo a inicial da reclamatória, os mencionados acórdãos desrespeitaram a decisão proferida pelo STF na AC n.º 9.621/PR, que havia declarado como integrante do domínio da União a área denominada Piquiri, também conhecida como Piqueroby/Rio Azul, no Estado do Paraná, onde estariam situados os imóveis expropriados.

4.-  A reclamação está sendo processada com medida liminar, encontrando se os autos com vista a Vossa Excelência. Na verdade, não apenas a Colônia Piquiri, ou Piqueroby, não chegou a ser mencionada no referido acórdão, mas também nunca se concretizou qualquer concessão do Governo Imperial à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande pelo Decreto n.º 10.432, de 9 de novembro de 1889, conforme adiante se demonstrará.


II. Fundamento equivocado

1.- Acontece que, contrariamente ao afirmado na inicial da reclamação, o referido acórdão n.º 9.621 do STF em nenhum momento declarou estar “sob o domínio da União a área denominada Piquiri, também conhecida como Piqueroby/Rio Azul”, conforme, aliás, se colhe do trecho que, à guisa de reforço da afirmativa, foi transcrito no tópico II da aludida peça.

2.- Na verdade, não apenas a Colônia Piquiri, ou Piqueroby, não chegou a ser mencionada no referido acórdão, mas também nunca se concretizou qualquer concessão do Governo Imperial à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande pelo Decreto n.º 10.432, de 9 de novembro de 1889, conforme adiante se demonstrará.

III – Os fatos que levaram ao acórdão da AC 9.621.

1.- O Governo Imperial, primeiramente, e, ao depois, o Governo da Primeira República, por meio dos decretos n.ºs 10.432/89 e 305/1890, respectivamente, concederam a João Teixeira (ou a empresa que viesse a organizar) o direito de construir a via férrea São Paulo/Rio Grande, oferecendo, em contrapartida, a titularidade de terras devolutas situadas ao largo da ferrovia projetada, nos Estados do Paraná e Santa Catarina.

2.- Em 4.9.1917, o Estado do Paraná celebrou contrato (ratificado em 23.8.1920) com as empresas organizadas para construir a referida ferrovia, para a construção de um ramal da linha tronco, ligando Guarapuava a Foz do Iguaçu.

3.- Por esse contrato, encarregou-se o Estado de ceder, às referidas empresas, 2.100.000ha de suas terras devolutas, em face da obrigação nesse sentido inicialmente assumida pelo Governo Imperial. É o que foi afirmado pelo Procurador da República no Estado do Paraná em parecer que resultou transcrito pelo em. Ministro Victor Nunes Leal, ao relatar embargos declaratórios opostos pelo Estado do Paraná na AC n.º 9.6213 e confirmado pelo em. Ministro Aliomar Baleeiro, ao relatar Agravo Regimental na AC n.º 9.6214.

4.- Resultou, assim, evidenciado que a cessão das terras devolutas não chegou a ser formalizada pelo Governo Imperial nem pela União, depois da primeira constituição republicana.

5.- Aliás, o Decreto n.º 3.947/1901 - por meio do qual foram consolidadas as disposições constantes dos atos relativos à concessão da Estrada de Ferro S. Paulo – Rio Grande, inclusive do Decreto imperial n.º 10.432/1889 – na cláusula IX, previu “a cessão gratuita de terrenos devolutos e nacionaes e bem assim dos compreendidos nas sesmarias e posses, excepto as indenizações que forem de direito, em uma zona máxima de quinze kilometros para cada lado das linhas de que se trata, contanto que a área total ao exceda à que corresponder à media de nove kilometros para cada lado das extensão total das referidas linhas”.

1 Contrato posteriormente transferido à Companhia Brasileira de Viação e Comércio – Brasiaco, mediante termo lavrado na Secretaria do Estado em 22.11.1920.

2 É o que foi afirmado pelo Procurador da República no Estado do Paraná em parecer que resultou transcrito pelo em. Ministro Victor Nunes Leal, ao relatar embargos declaratórios opostos pelo Estado do Paraná na AC n.º 9.621.

6. Ora, considerando que, pela cláusula V do mencionado decreto, ficou facultado à Companhia concessionária “escolher (...) .novo traçado que offereça melhor garantia de trafego remunerador do que o já approvado pelo Governo”, fica de vez esclarecida a razão pela qual as terras então cedidas não chegaram a ser identificadas, medidas e demarcadas, para fim de titularização e devido registro nos cartórios imobiliários; e, igualmente, porque a expedição dos títulos a elas alusivos, em 1920, foi feita, não mais pela União, mas pelo Estado, que delas se havia tornado titular com a CF/18915.

7. Foram várias as glebas transmitidas, entre outras: Santa Maria, Silva Jardim, Riozinho, Missões, Catanduvas, Ocahy e Pirapó.

8. Ocorreu que, pelo Decreto n.º 300, de 3.11.1930, o Estado do Paraná, sob alegação de inadimplência, rescindiu o contrato firmado em 23.8.1920 com a Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, e por esta cedido à Companhia Brasileira de Viação e Comércio - Brasiaco, bem assim o aditamento de 8.6.1928 e todos os contratos anteriores por eles alterados, declarando caducos o privilégio, concessão e mais favores deles decorrentes (art. 1.º), e, ainda, nulos os títulos de domínio expedidos em seu cumprimento (art. 2.º). No artigo 3.º foi determinado o cancelamento das transcrições dos títulos expedidos referentes às terras não alienadas pelas companhias concessionárias.

9. Havendo sido suscitada dúvida sobre o real sentido do referido diploma, foi editado o decreto interpretativo n.º 20 de 5.1.1931, sem interesse para o presente estudo.

10. Na conformidade do direito então vigente, o Estado do Paraná promoveu, judicialmente, o cancelamento dos títulos que havia expedido, obtendo sentença 5 CF/1891, art. 64. STF, AC n.º 9.621 (Embargos de Terceiros), Rel. Min. Vilas Boas. Ato transcrito no voto do Min. Vilas Boas na AC 9.621 Acima favorável, mantida pelo Tribunal de Justiça local e por este confirmada em sede de embargos, por acórdão de 21.6.1940, publicado em 9/1940.

11. O Presidente da República, de sua vez, por meio do DL n.º 2.075 de 8.3.19408, visando à reparação de vultosos prejuízos causados ao País, rescindiu o contrato existente entre a União e a Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, incorporando ao patrimônio da União os bens da referida empresa, entre eles, as terras situadas no Paraná e em Santa Catarina. Entretanto, por meio do Decreto n.º 2.436 de 22.7.19409, ressalvou dos efeitos do decreto anterior, os bens (das referidas empresas) que já estiverem resgatados ou incorporados ao patrimônio do Estado, exceção que só poderia entender-se como referida aos imóveis revertidos ao patrimônio do Estado do Paraná, por efeito do mencionado Decreto n.º 300/1930.

12. O STF, todavia, apreciando embargos de terceiros opostos à decisão do TJ/PR pela autarquia denominada Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, por meio do AC 9.621 relatado pelo Ministro Vilas Boas, concluiu pela sua procedência, declarando que:

a) as áreas disputadas, integradas na concessão outorgada à Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, jamais pertenceram ao domínio do Estado, como terras devolutas, consoante a atribuição do art. 64 da Constituição de 1891;

b) se a Justiça local deu ganho de causa ao Estado do Paraná, a sua decisão não é, evidentemente, exeqüível contra a União, a quem os Decretos-leis n.ºs 2.073 e 2.436 imputaram bens e direitos das Companhias em cujo nome os imóveis estavam registrados;

c) a autarquia Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, criada para a administração das glebas descritas, tem irrecusável interesse em impedir o cancelamento. Texto integralmente transcrito pelo Min. Vilas Boas, no relatório da AC n.º 9.621, pp. 15/16. Idem, idem, pp. 16/17 dos registros promovido pelo Estado do Paraná, a quem jamais, a nenhum título, elas pertenceram, e assim são de absoluta procedência os embargos.

13. Sem êxito, foram ainda opostos embargos declaratórios ao referido acórdão - com alegação, entre outras, de que a rescisão, pelos Decretos n.º 300 de 3.11.1930 e 20, de 5.1.1931, da concessão feita pelo Estado do Paraná à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, não podia resultar senão na reversão – referida no DL n.º 2.436/40 - das áreas concedidas ao patrimônio estadual de onde se haviam destacado.

IV – Ligeira apreciação do acórdão do STF na AC 9.621

1. Resta demonstrado, data venia, pelos dados acima expostos, que a afirmativa de que as terras objeto do Decreto n.º 300 de 11.11.1930 nunca pertenceram ao Estado do Paraná não passou de uma simples frase de efeito, visto encontrar-se desautorizada pela verdade real dos fatos, ante a constatação de que foram elas objeto de concessão feita pelo próprio Estado às empresas contratadas para a construção da ferrovia São Paulo/Rio Grande. Caiu no vazio, portanto, o acórdão do STF na AC 9.621, no ponto em que declarou “revertidas” terras devolutas à União, já que não apenas nenhuma terra dessa espécie foi por esta concedida às referidas empresas, mas também não poderiam reverter ao domínio da União terras devolutas do Estado do Paraná, já que situadas fora da faixa de fronteira.

2. Na verdade, não havendo sido formalizada a concessão prevista no Decreto Imperial n.º 10.432/1889, obviamente por absoluta falta de medição e demarcação, é fora de dúvida que as terras devolutas excogitadas passaram ao Estado do Paraná, por efeito do art. 64 da sobrevinda CF/1891, não significando para a empresa concessionária senão uma promessa que acabou sendo cumprida pelo próprio Estado. Caso contrário, não 10 RTJ, n.º 32, pp. 32/84 haveria sentido para que viesse o Estado a concretizar a concessão a que se havia obrigado o Governo Federal.

3. Inadimplentes as cessionárias, outra alternativa não se ensejou ao Estado senão rescindir o contrato que celebrou e, consequentemente, cassar as concessões de terra condicionadas à realização da obra, autorizado que se achava, para tanto, pela cláusula resolutória inerente aos contratos bilaterais onerosos, o que ocorreu muito antes, aliás, da edição dos decretos-leis federais que incorporaram ao domínio da União os bens da empresa concessionária.

4. Ante tais considerações, a esta altura, soa sem qualquer efeito o acórdão do STF na AC 9.621, o qual, diante dos Decretos-leis n.ºs 2.073 e 2.436, de 1940, expedidos pelo Governo Federal, declarou inexeqüível contra a União o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que havia reconhecido a legitimidade do ato do Governo estadual pelo qual, em face da inadimplência da concessionária, foi rescindido o contrato celebrado para construção e exploração do ramal ferroviário, e, em conseqüência, anuladas as concessões de terra nele previstas.

5. É que não se pode deixar de considerar haver passado Despercebido que a rescisão – cujas impugnações restaram rechaçada pelo Tribunal local – havia operado seus efeitos em 1930, autorizada que se achava por cláusula resolutória inerente ao contrato celebrado pelo Estado com as concessionárias, muito antes, portanto, da edição dos decretos federais que pretenderam incorporar ao domínio da União os imóveis titulados pelo Estado e em razão dos quais foram os embargos de terceiros propostos pela autarquia – Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional – acolhidos pelo STF11.

6. Inadvertidamente, portanto, consideraram-se incorporados ao domínio da União imóveis que, uma década antes, já não pertenciam às concessionárias inadimplentes, mas ao Estado. 11 STF, AC n.º 9.621, relator Min. Vilas Boas.

V – As ressalvas contidas no decreto estadual e nos decretos-leis federais.

1. Concedido, entretanto, que assim não fosse, que, ao revés, ainda remanescessem terras devolutas no patrimônio das empresas, em 1940 – quando foram editados os decretos federais – forçoso é admitir que parte delas, no mínimo, já havia sido objeto de alienação a terceiros, destinação prevista como fonte natural dos recursos necessários ao início das obras da ferrovia. Assim sendo, essa parte anteriormente alienada não poderia reverter ao Estado, por força do Decreto n.º 300/1930, nem, muito menos, ter sido incorporada ao domínio da União, por efeito dos Decretos-leis n.ºs 2.075 e 2.436, de 1940.

2. Aliás, o Decreto n.º 300/1930 ressalvou expressamente da reversão as frações alienadas, quando, no art. 3.º, ao determinar o cancelamento das transcrições restringiu a providência às terras ainda não alienadas pelas referidas companhias concessionárias, o mesmo fazendo o Decreto n.º 20/1921 ao responsabilizar as referidas Companhias pelos danos e prejuízos que sofrer o Estado em virtude das alienações de quaisquer áreas cujos títulos de domínio são por este artigo declarados nulos (art. 2.º, parágrafo único).

3. Não dispuseram diferentemente os decretos-leis federais, tendo, o primeiro, no art. 1.º, incorporado ao Patrimônio da União, não as terras devolutas concedidas à concessionária pelo Decreto Imperial de 1889 ou pelo Estado do Paraná, em 1920, mas tão-somente as terras situadas nos Estados do Paraná e Santa Catarina, pertencentes à referida Companhia Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande; indo mais além o segundo, ao dispor, no art. 3.º, que continuarão sob o regime jurídico para eles vigentes na data anterior à deste decreto-lei os bens e serviços das empresas mencionadas no art. 1.º que já estiverem resgatados ou incorporados ao patrimônio dos Estados12.

VI – O Decreto-lei n.º 1942/82

1. Se diante dos termos dos atos legislativos acima transcritos alguma dúvida restasse da reversão ao Estado das terras devolutas por este concedidas às concessionárias das ferrovias sob enfoque, estariam elas inevitavelmente restritas àquelas eventualmente situadas na faixa de fronteira, onde sabidamente as terras devolutas sempre integraram e integram o patrimônio da União, conquanto, no caso, já não se cuidava de terras devolutas13, mas de terras afetadas a uso especial pelo Estado.

2. Dúvidas dessa espécie, entretanto, foram dissipadas, de uma vez por todas, pelo superveniente Decreto-lei n.º 1.942/82, editado justamente para estabelecer regime especial para as terras reconhecidas de domínio da União pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão nos autos da Apelação Cível n.º 9.621-1-PR (art. 1.º), eventualmente alienadas pelo Estado.

3. Por efeito do referido diploma, consideraram-se alienados, independentemente de licitação e de novo pagamento, a seus legítimos possuidores, os imóveis adquiridos e pagos ao Estado ou à Fundação (art. 2.º, II), ocorrendo a translação de domínio por força do referido decreto-lei, “quando o legítimo possuidor do imóvel for detentor de título correspondente à posse (art. 2.º, § 1.º)”. Determinou, o referido diploma, ao INCRA que desenvolvesse “todas as providências necessárias à execução do decreto lei (art. 7.º)”, o que jamais ocorreu, não podendo, a essa altura, os titulares dos imóveis legitimados responder pela omissão da autarquia fundiária. Inteiro teor dos mencionados atos normativos no voto do Min. Vilas Boas, relator do AC n.º 9.621 (embargos de terceiros). Cf. DL n. 9.760/46, art. 5.º.

VII – O voto do eminente Ministro Sepúlveda Pertence na Reclamação n.º 1.169

1. Não foi por outra razão que o em. Ministro Sepúlveda Pertence, no magistral voto proferido, como relator, na Reclamação n.º 1.169-1, em que a União verberou decisão do TRF da 4.ª Região sob alegação de haver desacatado o acórdão do STF na referida AC 9.621, sobre o mencionado DL n.º 1.942/82, assim discorreu sobre a relevante questão: “Desse modo, é inequívoco, o DL 1.942/82, a pretexto de disciplinar o cumprimento da decisão proferida pelo STF, modificou-a substancialmente, ao prescrever, por um lado, a transferência do domínio aos seus legítimos possuidores – independentemente de novo pagamento à União, se já anteriormente pago o imóvel ao Estado do Paraná ou a autarquia sua – e ao estabelecer, por outro, a subsistência de todos os registros imobiliários (grifos do original).

E tão profunda foi essa modificação do julgado, que a execução desse acórdão – que visava ao cancelamento de todos os registros relativos a essas áreas e se arrastava havia mais de 15 anos – acabou sendo extinta em maio de 1984.

Note-se, de passagem, não parecer oponível à validez do decreto lei haver contrariado a alegada coisa julgada constituída em favor da União: tendo o Tribunal a considerar que as garantias constitucionais contra a irretroatividade da lei em prejuízo do direito adquirido, do ato jurídico e da coisa julgada – instituídas em favor da segurança jurídica do particular contra o Estado – não são invocáveis pela entidade estatal, particularmente, se dela própria emanou a lei retroativa (...).

De qualquer sorte, a mera possibilidade de a decisão proferida pelo STF haver sido legitimamente modificada, no ponto que interessa, pelo decreto-lei superveniente – a substantivar, à primeira vista, uma série de renúncias da União aos efeitos do acórdão – já levaria a controvérsia para fora dos estreitos limites da reclamação.

Com efeito, no processo sumário e documental da reclamação, adstringe-se o âmbito de cognição do Tribunal à verificação da conformidade entre a decisão por ele proferida – considerada a situação de fato e de direito à luz da qual exaradas – e o ato posterior reclamado.

Em outras palavras: ainda que a decisão da AC 9.621 não houvesse sido superada válida e definitivamente pelo Dl 1.942/82, o fato – fartamente demonstrado pelo teor da discussão – é que esse diploma trouxe consigo todo um cortejo de novos questionamentos, tornando evidente a impossibilidade de estabelecer-se o confronto direto entre aquela decisão e o acórdão questionado (sem o grifo no original).

2. Aliás, o referido DL n.º 1.942/82, ao limitar-se à disciplina de imóveis rurais que houvessem sido alienados pelo Estado do Paraná e pela sua Fundação na faixa de fronteira, revela claramente que a União jamais chegou a intitular-se senhora das porções de terra devoluta que, situadas fora da referida faixa de fronteira, por ato do Governo do Paraná, em 1920, haviam sido cedidas às concessionárias das ferrovias projetadas, e, a fortiori, das que por estas haviam sido posteriormente transferidas a terceiros.

3. Assim, se o DL n.º 1.942/82, pelas alterações introduzidas na situação das terras situadas na faixa de fronteira, torna impossível, a esta altura, o confronto entre o acórdão do STF na AC 92.621 e a decisão excogitada do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, proferida em ação de desapropriação, conforme observado pelo preclaro Ministro Pertence, óbice de muito maior consistência se antepõe a esse confronto quando se trata de imóveis que já não se achavam no domínio das referidas empresas quando da incorporação dos bens destas ao domínio da União, operada por meio dos decretos-leis que foram decisivos para o referido julgamento do STF.

VIII – Os imóveis expropriados aos reclamados.

1. Se a área denominada Colônia Piqueroby e Rio Azul, também conhecida como imóvel Palotina ou imóvel Piquiri, situada no Município de Palotina, no mencionado Estado do Paraná - que o Presidente da República, por meio do Decreto n.º 73.812/74, declarou de interesse social para fins de desapropriação – houvesse sido declarada, pelo STF, na AC 9.621, como incorporada ao domínio da União – o que, em absoluto, não ocorreu - estar-se-ia diante de lapso manifesto.

2. É que tal jamais poderia ter ocorrido, pelo singelo motivo de que a “Colônia Piqueroby”, situada no Município de Palotina (cujo território se desdobrou do Município de Guairá), se encontra muito distante do traçado, seja da linha tronco da ferrovia São Paulo/Rio Grande, seja do ramal Guarapuava/Foz do Iguaçu, devendo-se a temerária afirmativa a mera especulação dos eminentes subscritores da inicial da reclamação, utilizada no afã de impedir o pagamento da indenização devida aos expropriados ora Reclamados, ainda que à custa de induzirem a erro o STF, como tem acontecido até agora.

3. Trata-se de área que jamais foi concedida às empresas encarregadas da construção da ferrovia, seja pelo Império, seja pela União, e, tampouco, pelo Estado.

4. Concedido, entretanto – ad argumentandum tantum – que as terras devolutas que vieram a constituir a “Colônia Piqueroby” - posteriormente dividida em lotes que, alienados, vieram a ser desapropriados – houvessem sido concedidas pelo Estado à empresa contratada para a construção da ferrovia São Paulo/Rio Grande, é fora de dúvida que, por efeito da resolução do contrato, teriam revertido elas ao patrimônio estadual e não ao federal, e estariam, por isso, compreendidas na ressalva contida no DL n.º 2.436/194014. DL n.º 2.436/40: “Art. 5.º Continuarão sob o regime jurídico para eles vigente na data anterior a deste decreto-lei os bens e serviços das empresas mencionadas no art. 1.º que já estiverem resgatados ou incorporados ao patrimônio dos Estados.”

5. Repita-se, portanto, com toda a veemência: o acórdão da AC n.º 9.621 do STF, em nenhum passo, fez reverter ao domínio da União a área denominada Piquiri também conhecida como Piqueroby/Rio Azul, como, erroneamente, foi afirmado na inicial da reclamação (cap. II).

6. A denominada Colônia Piqueroby destinou-se à concretização de um programa de colonização promovido pelo Estado, tendo sido, para tanto, dividida em glebas e estas em lotes, os quais foram alienados pelo Estado, em janeiro/1958, a título oneroso, a diversos agricultores.

7. Assim é que, v.g., os lotes n.ºs 5, 6, 8, 9, 17, 19, 22-A, 22-B, 23, 25-A, 25-B, 31 e 33-b, todos da Gleba n. 3, foram alienados, respectivamente, a Pedro Staiger, Davi e Nelo Bruniera, Emílio Humberto Carrazai, Acir Ivo Carrazai, Reinaldo Mussi, Pedro Staiger, Luiz Mussi, Eduardo Gambini, Inês Luminatti, Antenor Gastaldelli e Eduardo Gambini, que os levaram ao Cartório imobiliário da Comarca de Toledo, onde foram registrados, pela ordem, sob n.ºs 1.785, 1.805, 1.803, 1.809, 1.788, 1.791, 1.806, 1.799 e 1808, em 25.3.58.

8. Ainda, portanto, que se tratasse de terras da União, resultaria fora de dúvida que a translação de domínio dos lotes da Colônia Piqueroby àqueles que os adquiriram regularmente, do Estado do Paraná, a título oneroso, se deu por efeito do Decreto-lei n.º 1.942/82 (art. 2.º, § 1.º).

9. Assim, quando por meio do Decreto n.º 73.812/74, o Presidente da República veio a declarar de interesse social, para fins de reforma agrária, uma área de terras, pertencente a diversos proprietários, medindo aproximadamente, 48.368,73ha, denominada Colônia Piqueroby e Rio Azul, também conhecida como imóvel Palotina ou imóvel Piquiri, situada no Município de Palotina, com absoluta certeza estava a desapropriar terras que já haviam sido regularmente privatizadas.

IX – A ação anulatória proposta pela União.

1. Em conseqüência, patente a sem-razão da União, quando, por meio de ação declaratória de nulidade dos títulos dos imóveis em referência, sob alegação de tratar se de terras integrantes do patrimônio da União, ingressou em juízo com o indisfarçável propósito de ver elidida a indenização devida aos proprietários dos lotes desapropriados.

2. Cuida-se de iniciativa que, conforme se viu, resultou de uma visão deformada dos efeitos do acórdão proferido pelo STF na AC 9.621, despercebida que se achava, a Autora, de que a referida decisão só poderia ter considerado incorporados ao domínio da União os bens que integravam o acervo da Companhia Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande no dia da edição do Decreto n.º 2.073 de 8 de março de 1940, entre os quais não poderiam encontrar-se, por óbvio, aqueles que haviam sido alienados pela empresa no decorrer de quase meio século de existência e, os de que se viu despojada, por efeito da rescisão do contrato pelo Estado. Pena de grave ofensa ao princípio da segurança jurídica, prática que nunca caracterizou a atuação de nossa Corte Suprema.

3. Aliás, a referida ação declaratória, por sentença de 10.04.2007, que transitou em julgado, teve o respectivo processo julgado extinto pelo MM. Juiz Federal de Umuarama-PR, na forma dos incisos IV, V e VI, do art. 267 do CPC, com cassação da tutela antecipada que havia sido deferida no prol da sustação do pagamento da indenização devida aos expropriados.

4. Surpreendentemente, porém, oito meses depois, confundido sentença extintiva do processo sem apreciação do mérito com despacho indeferitório de inicial, retratou-se o MM. Juiz e, vislumbrando, no caso, um suposto conflito federativo, declarou a incompetência da Justiça Federal de Primeiro Grau, remetendo os autos ao Supremo Tribunal Federal.

5. Mais do que evidente, entretanto, com todas as vênias, que se existente interesse do Estado do Paraná na pretendida anulação de títulos de domínio por ele expedidos e ratificados pela União por efeito do DL n.º 1942/80, seria ele dos mais remotos e, portanto, insuscetíveis de caracterizar o pretenso conflito federativo e, pois, de legitimar o STF, com exclusividade, para o julgamento da referida ação, a qual, por isso mesmo, com a devida vênia, é de ser devolvida ao MM. Juízo de origem.

6. De qualquer modo, trata-se de ação cujo objeto (anulação de títulos de domínio expedidos pelo Estado e seus respectivos registros imobiliários) já se achava prejudicado quando de seu ajuizamento, ante a circunstância de os respectivos imóveis se acharem, então, transcritos em nome da União, por efeito da desapropriação realizada pelo INCRA, não tendo, a ação, por isso, condições de prosperar; e que, ademais, pelas razões acima expostas, não pode servir ela de empeço ao pagamento das indenizações devidas pela desapropriação consumada.

X - Conclusão

Assim, considerando:

a) que nunca se concretizou concessão de terras devolutas, por parte do Império ou da União, à empresa contratada para construir a estrada de ferro São Paulo/Rio Grande;

b) que concessão da espécie foi feita, em 1920, pelo Estado do Paraná, ao qual haviam sido transferidas, pela CF/91, as terras devolutas situadas em seu território;

c) que, em face da inadimplência da concessionária, foi anulado pelo Estado o contrato de concessão e, consequentemente, a concessão de terra devolutas que este lhe havia feito, ato confirmado pela Justiça local;

d) que, em conseqüência, as terras cedidas retornaram, logicamnte, ao patrimônio do Estado e não ao da União;

e) que, assim, caiu no vazio a decisão do STF, na AC 9.621, quando considerou revertidas à União as terras devolutas que haviam sido cedidas às concessionárias;

f) que, por isso mesmo, os próprios decretos-leis de 1940, que embasaram a decisão do STF, ressalvaram as terras resgatadas pelo Estado;

g) que o superveniente DL n.º 1.942, pelas alterações que introduziu na situação das terras tidas como tendo sido objeto da AC 9.621, dando lhes disciplina específica, tornou impossível o confronto entre o referido acórdão do STF e a decisão do TRF4, impugnada na reclamação, conforme decidido pelo próprio STF na reclamação análoga, n.º 1.169-1, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence;

h) que a Colônia Piqueroby, cuja indenização pela desapropriação sofrida, teve o pagamento suspenso, não foi mencionada em nenhum ponto do acórdão da AC 9.621, como afirmado na inicial da União, nem poderia tê-lo sido, já que situada bastante afastada do traçado da ferrovia e de seu ramal; e

i) que, por fim, a ação anulatória no bojo da qual foi proferida a decisão que suspendeu o pagamento da indenização, já havia tido seu processo extinto de há muito, por sentença que transitou em julgado, havendo, apesar disso, sido revogada pelo MM. Juiz de Umuarama, como se tratasse de simples despacho, para, afinal, ser indevidamente encaminhada ao STF, onde, por isso, com todas as vênias, não pode ter prosseguimento; espera, o ora representado, na qualidade de um dos principais interessados no desfecho da reclamação, que seja esta julgada improcedente, como medida de direito e de justiça.

ILMAR GALVÃO.