segunda-feira, 5 de julho de 2010

REGULAMENTAÇÃO DO LOBBY: Projeto de Lei nº 1.202, de 2007



PROJETO DE LEI Nº 1202, DE 2007
(Do Sr. Carlos Zarattini)


Disciplina a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e dá outras providências.




O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. Esta Lei disciplina a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e dá outras providências.

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

I – decisão administrativa toda e qualquer deliberação de agente público que envolva:

a) a proposição, consideração, elaboração, edição, promulgação, adoção, alteração ou rescisão de um regulamento ou norma de caráter administrativo;

b) a realização de despesa pública ou a sua modificação;

c) a formulação, o desenvolvimento ou a modificação de uma linha de atuação ou diretriz de política, ou a sua aprovação ou rejeição;

d) a revisão, a reavaliação, a aprovação ou a rejeição de um ato administrativo;

e) a aposição de veto ou sanção a projeto de lei ou a ato legislativo equivalente;

f) a indicação ou escolha ou a designação ou nomeação de um indivíduo para exercer cargo, emprego ou função pública, no âmbito do respectivo órgão ou poder responsável pela decisão;


II – órgão público decisor, a unidade da Administração Pública Federal, de qualquer nível, que seja chefiada por indivíduo dotado de capacidade de decisão autônoma;

III – entidade representativa de grupo de interesse, toda e qualquer pessoa jurídica, constituída segundo as leis do País, qualquer que seja a sua natureza, que seja dirigida por um indivíduo ou grupo de indivíduos, subordinados ou não a instâncias colegiadas, que tenham interesse na adoção de determinada decisão administrativa;

IV – recompensa, toda e qualquer importância, em espécie ou sob a forma de bens, recebida ou que possa ser recebida por um agente público, seu cônjuge ou companheiro ou quaisquer de seus parentes, colaterais ou afins até o segundo grau de entidade representativa de grupo de interesse, ou de alguém atuando em defesa de interesse;

V – presente, todo e qualquer bem ou serviço, ou vantagem de valor estimável ou inestimável, que possa ser recebido por um agente público, seu cônjuge ou companheiro ou qualquer de seus parentes, colaterais ou afins até o segundo grau, de entidade representativa de grupo de interesse, ou de alguém atuando em defesa de interesse;

VI – “lobby” ou pressão, o esforço deliberado para influenciar a decisão administrativa ou legislativa em determinado sentido, favorável à entidade representativa de grupo de interesse, ou de alguém atuando em defesa de interesse próprio ou de terceiros, ou em sentido contrário ao interesse de terceiros;

VII – lobista ou agente de grupo de interesse, o indivíduo, profissional liberal ou não, a empresa, a associação ou entidade não-governamental de qualquer natureza que atue por meio de pressão dirigida a agente público, seu cônjuge ou companheiro ou sobre qualquer de seus parentes, colaterais ou afins até o segundo grau, com o objetivo de lograr a tomada de decisão administrativa ou legislativa favorável ao grupo de interesse que representa, ou contrária ao interesse de terceiros, quando conveniente ao grupo de interesse que representa;

VIII – dirigente responsável, o indivíduo que tem, ao seu encargo, adotar decisão em nome de órgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta, que possa ser influenciada pela atuação de grupo de interesse ou seus agentes.

Art. 3º. As pessoas físicas e jurídicas que exercerem, no âmbito da Administração Pública Federal, atividades tendentes a influenciar a tomada de decisão administrativa ou legislativa deverão cadastrar-se perante os órgãos responsáveis pelo controle de sua atuação, ao qual caberá o seu credenciamento.

§ 1º No âmbito do Poder Executivo, caberá à Controladoria-Geral da União promover o credenciamento de entidades de “lobby”.

§ 2º Aplica-se o disposto no caput deste artigo, em igualdade de condições, às pessoas jurídicas de direito privado e às pessoas jurídicas de direito público, e aos representantes de Ministérios e órgãos ou entidades da administração federal direta e indireta, bem assim às entidades de classe de grau superior, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituições de âmbito nacional da sociedade civil no exercício de atividades destinadas à defesa de interesses junto aos órgãos do Poder Legislativo ou à prestação de esclarecimentos específicos junto a esses órgãos e respectivos dirigentes responsáveis.

§ 3º Cada órgão ou entidade poderá indicar até dois representantes, sendo um titular e um suplente, cabendo ao titular a responsabilidade perante o órgão ou entidade em que atue por todas as informações ou opiniões prestadas ou emitidas pela entidade representada quando solicitadas.

§ 4º Os representantes fornecerão aos dirigentes responsáveis subsídios de caráter técnico, documental, informativo e instrutivo.

§ 5º Serão indeferidos a indicação e o cadastramento como representantes de indivíduos que tenham, nos doze meses anteriores ao requerimento, exercido cargo público efetivo ou em comissão em cujo exercício tenham participado, direta ou indiretamente, da produção da proposição legislativa objeto de sua intervenção profissional.

§ 6º Caberá ao órgão competente, na forma do regulamento, expedir credenciais, que deverão ser renovadas anualmente, a fim de que os representantes indicados possam ter acesso às dependências dos órgãos públicos, excluídas as privativas dos respectivos membros ou autoridades superiores.

§ 7º Os credenciados, sempre que se dirigirem a agente público, declinarão a entidade que representam ou a cujo serviço estejam atuando.

§ 8º É obrigatória a participação dos representantes referidos no § 3º, no prazo de cento e oitenta dias a contar do deferimento do registro, às suas expensas, em curso de formação específico, do qual constarão como conteúdos mínimos as normas constitucionais e regimentais aplicáveis ao relacionamento com o Poder Público, noções de ética e de métodos de prestação de contas.

Art. 4º É vedado às pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” provocar ou influenciar a apresentação de proposição legislativa com o propósito de vir a ser contratado para influenciar sua aprovação ou rejeição no âmbito do Poder Legislativo.

Parágrafo único. A infração ao disposto no caput acarretará a cassação do credenciamento, sem prejuízo da apuração da responsabilidade criminal, na forma da Lei.

Art. 5º. As pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” poderão solicitar aos órgãos da Administração Pública Federal dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a sua participação em audiência pública, quando estiverem em fase de elaboração ou discussão assuntos relacionados a sua área de atuação.

§ 1º Na hipótese de haver defensores e opositores relativamente à matéria objeto de exame, o órgão promotor da audiência pública procederá de forma que possibilite a audiência das diversas correntes de opinião, observado o número máximo de seis expositores, dando-se preferência a pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” e, em caso de haver mais de três entidades opositoras ou defensoras que solicitem a sua participação em audiência, a sua seleção deverá ser feita mediante sorteio entre todos os solicitantes.

§ 2º Na hipótese de serem convidadas para participar de audiência pública pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas fora do Distrito Federal, os convites deverão ser expedidos, no mínimo, cinco dias úteis antes da sua realização.

Art. 6º. É defeso à autoridade responsável pela elaboração ou relatoria de proposta de ato legislativo ou ato normativo em curso de elaboração ou discussão em órgão do Poder Executivo ou Legislativo apresentar Relatório ou voto diante de grupo de trabalho, comissão ou em Plenário sem que, tendo consultado ou atendido pessoa física ou jurídica credenciada para o exercício de atividades de “lobby”, haja propiciado igual oportunidade à parte contrária ao interesse atendido ou prejudicado pela matéria em exame.

Parágrafo único. A consulta referida no caput ocorrerá, preferencialmente, em audiência conjunta, cabendo à autoridade responsável pela mesma definir quanto à sua conveniência e oportunidade.

Art. 7º. As pessoas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” deverão encaminhar ao Tribunal de Contas da União, até o dia 31 de dezembro de cada ano, declaração discriminando suas atividades, natureza das matérias de seu interesse e quaisquer gastos realizados no último exercício relativos à sua atuação junto a órgãos da Administração Pública Federal, em especial pagamentos a pessoas físicas ou jurídicas, a qualquer título, cujo valor ultrapasse 1.000 Unidades Fiscais de Referência - UFIR.

§ 1º Constarão da declaração a indicação do contratante e demais interessados nos serviços, as proposições cuja aprovação ou rejeição seja intentado ou a matéria cuja discussão seja desejada.

§ 2º Em se tratando de pessoas jurídicas prestadoras de serviço ou entidades sem fins lucrativos de caráter associativo, serão fornecidos dados sobre a sua constituição, sócios ou titulares, número de filiados, quando couber, e a relação de pessoas físicas que lhes prestam serviços com ou sem vínculo empregatício, e as respectivas fontes de receita, discriminando toda e qualquer doação ou legado recebido no exercício cujo valor ultrapasse 1.000 UFIR.

§ 3º As despesas efetuadas pelo declarante como publicidade, elaboração de textos, publicação de livros, contratação de consultoria, realização de eventos, inclusive sociais, e outras atividades tendentes a influir no processo legislativo, ainda que realizadas fora da sede do Congresso Nacional, deverão constar de sua declaração, acompanhadas do respectivo relatório de auditoria contábil firmado por empresa especializada ou profissional habilitado.

§ 4º O Tribunal de Contas da União divulgará relatório dos elementos referidos neste artigo até o dia 31 de março do exercício seguinte.

§ 5º A omissão de informações, a tentativa de omitir ou ocultar dados ou confundir importará a cassação do credenciamento, ou a constatação de qualquer irregularidade ou omissão nas informações prestadas, acarretará a pena de advertência e, em caso de reincidência, a cassação do credenciamento, sem prejuízo, quando for o caso, do encaminhamento das peças e elementos pertinentes ao Ministério Público para as providências cabíveis.

§ 6º Constatada a ocorrência de abuso de poder econômico, será a documentação encaminhada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica para apuração e repressão da ocorrência, nos termos da Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962.
§ 7º As pessoas referidas neste artigo deverão preservar, pelo período de cinco anos após a apresentação da prestação de contas, todos os documentos comprobatórios da realização das despesas referidas no § 3º e disponibilizá-las, sempre que solicitado, ao Tribunal de Contas da União.

Art. 8º. A qualquer momento as pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” poderão ser convocadas pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo, pelo Ministro de Estado do Controle e Transparência e pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, para prestar esclarecimento sobre a sua atuação ou meios empregados em suas atividades.

Art. 9º. Constitui ato de improbidade, sujeito às penas do art. 12, I da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a percepção, por servidor público ou agente político, de qualquer vantagem, doação, benefício, cortesia ou presente com valor econômico que possa afetar o equilíbrio e a isenção no seu julgamento, ou que caracterize suborno ou aliciamento, concedido por pessoa física ou jurídica que exerça atividade destinada a influenciar a tomada de decisão administrativa ou legislativa.

§ 1º. Até que Resolução do Tribunal de Contas da União fixe o valor econômico a ser considerado para os fins do disposto no caput, será considerado para tanto o valor correspondente a 500 Unidades Fiscais de Referência - UFIR.

§ 2º. A infração ao disposto neste artigo acarretará a aplicação da pena de demissão a bem do serviço público, prevista no art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112, de 1990.

Art. 10. Não se aplica o disposto nesta Lei a indivíduos que atuem sem pagamento ou remuneração por qualquer pessoa física ou jurídica e em caráter esporádico e com o propósito de influenciar o processo legislativo em seu interesse pessoal, ou que se limitem a acompanhar sessões de discussão e deliberação no âmbito do Poder Legislativo, ou em órgãos colegiados do Poder Executivo ou Judiciário, ou a quem for convidado, em razão de sua atuação profissional, prestígio ou notoriedade para expressar opinião ou prestar esclarecimentos em audiência pública diante de Comissão ou do Plenário, mediante convite público de dirigente responsável.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.


JUSTIFICAÇÃO

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, inúmeras proposições têm tentado regulamentar a atuação dos “lobbies” na Administração Federal. A proposição que mais perto chegou desse propósito foi o Projeto de Lei nº 6.132, de 1990, de autoria do então Senador Marco Maciel, que chegou a ser aprovado pelo Senado Federal, mas que, na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, recebeu parecer pela sua inconstitucionalidade em face dos art. 51, III e IV e 52, XII e XIII da Constituição.

Entendeu naquela ocasião a Câmara dos Deputados que as atividades de “lobby” no Poder Legislativo somente poderia ser regulada por meio de resolução, por tratar-se de matéria tipicamente afeta à organização e ao funcionamento de cada uma das Casas do Congresso Nacional. Segundo o mesmo raciocínio, sequer poderia ser objeto de Decreto Legislativo, disciplinando a matéria no âmbito das duas Casas, pois nesse caso haveria interferência recíproca entre elas, reduzindo a sua autonomia administrativa.

Em que pese o fato de não se tratar, no caso, da regulamentação daqueles dispositivos, ou do exercício das competências nele descritas, que se dirigem à organização, funcionamento, polícia, criação, transformação e extinção de cargos, mas de normas de direito público que estabelecem obrigações para particulares em suas relações com o Estado e seus organismos – matéria, portanto, passível de veiculação por lei ordinária em sentido material e formal – prevaleceu o entendimento, sendo, portanto, oportuno que se volte a este assunto propondo iniciativa legislativa que afaste o óbice apontado, mas conduza a um resultado suficiente no plano jurídico para disciplinar a conduta e atuação de pessoas físicas e jurídicas voltadas a influenciar o processo legislativo.

A experiência internacional, notadamente nos EUA, Inglaterra, França e México, em anos recentes, demonstra a importância crescente do “lobby” no Parlamento.

Para muitos, o “lobby” é da essência da democracia, possibilitando que, com transparência, os grupos de pressão e de interesse possam atuar organizadamente, e que, com menores custos, todos os setores da sociedade possam fazer uso de estruturas profissionais destinadas a levar suas opiniões e posicionamentos aos Congressistas, em benefício do processo legislativo e de sua segurança.

Mais ainda, o desenvolvimento da sociedade civil reclama a institucionalização desses mecanismos, sujeitos ao controle da própria sociedade. Por isso, em países que há mais tempo se preocuparam com a regulação das atividades de “lobby”, os instrumentos de controle são rigorosos. No Congresso dos Estados Unidos, mais de 3.700 entidades registradas atuam regularmente no “lobby”, cadastrando previamente seus representantes e prestando contas semestralmente de suas atividades, dos recursos que recebem e para que os destinam. Veda-se o uso de presentes, cortesias, gentilezas e favores para Congressistas como instrumento de “corrupção” e asseguram-se meios de tratamento igualitário aos grupos de pressão no processo decisório no Legislativo.

Limita-se a conduta dos lobistas, e dos próprios servidores públicos, para que não haja abusos nem tampouco conflitos de interesse. Garante-se a idoneidade do processo e a responsabilização daqueles que não observarem as suas normas.

Iniciativas recentes no âmbito da Câmara dos Deputados e do Senado Federal têm procurado reabrir essa discussão, cuja oportunidade nunca foi maior em face de recentes casos noticiados pela imprensa e da aprovação do Código de Ética e Decoro Parlamentar nesta Casa. O Projeto de Resolução nº 87, de 2000, do Deputado Ronaldo Vasconcelos, e o Projeto de Resolução nº 23, de 1995, do Deputado Aroldo Cedraz, assim como o Projeto de Resolução nº 72, do Senador Lúcio Alcântara, trafegam nessa direção, mas contudo de maneira ainda pouco suficiente.

Por isso, entendemos conveniente, necessário e oportuno apresentar a presente proposição, que dá ao tema tratamento consistente com o que a experiência internacional aponta como recomendável, mas acolhendo, também, as propostas contidas nas proposições citadas, que, embora simplificadas, contemplam as medidas essenciais para a regulamentação do “lobby” no âmbito da Administração Federal.

O tema, aliás, reveste-se de muito maior atualidade na medida em que casos de corrupção, envolvendo relações promíscuas entre representantes do setor privado e do setor público, comprometem a idoneidade do processo decisório. A revista Exame, em junho de 2005, publicou extensa reportagem, que dá a dimensão do problema, cuja regulamentação, embora tardia, é indispensável.

Portanto, para que se supere esse déficit legislativo e se ingresse numa fase de moralização e transparência do “lobby” parlamentar e no âmbito dos Poderes Executivo e Judiciário, clamamos aos Ilustres Pares pela aprovação desta proposição, cujo interesse é de toda a sociedade brasileira.

Sala das Sessões, em 30 de Maio de 2007.


Deputado Carlos Zarattini
PT-SP

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