quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

RECLAMAÇÃO Nº 1.074 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VOTO DA MINISTRA ELLEN GRACIE NORTHFLEET.




RECLAMAÇÃO Nº 1.074 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VOTO DA MINISTRA ELLEN GRACIE NORTHFLEET.



EXTRATOS DO VOTO – FUNDAMENTO DO RELATOR.

Quanto à fundamentação inicial pela qual o eminente Min. Relator indefere a reclamação, ... seja utilizando-se da ação civil pública, bem como, de todos os recursos cabíveis nos processos expropriatórios, obstaculizar o que se afigura como um saque aos cofres públicos.

Disse S. Exa. em seu voto, após referir a exposição de motivos do Decreto-Lei n° 1.942/82 e o próprio texto legislativo, que:

"...é inequívoco, o DI 1.942/82, a pretexto de disciplinar o cumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, modificou-a substancialmente, ao prescrever, por um lado, a transferência do domínio aos seus legítimos possuidores -independentemente de novo pagamento à União, se já anteriormente pago o imóvel ao Estado do Paraná ou a autarquia sua - e ao estabelecer, por outro, a subsistência de todos os registros imobiliários”. II

E, prossegue S. Exa. para concluir:

"E, tão profunda foi essa modificação do julgado, que a execução desse acórdão - que visava ao cancelamento de todos os registros relativos a essas áreas e se arrastava há mais de 15 anos - acabou sendo extinta em maio de 1984" (f. 704)


EXTRATOS DO VOTO DA MINISTRA ELLEN GRACIE NORTHFLEET.


Braviaco, sucessora do já mencionado empreendedor, foi autorizada pela Comissão Mista (ver f. 24) a vender 25.310 alqueires, o que foi feito (mediante novas intermediaçães: Ruy Castro e Pinho e Terras, Ltda.), resultando num projeto de colonização do qual surgiu o Município de Palotina/PR.

" (...) que, em 1.924, o Estado do Paraná titulou à Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande/ BRAVIACO - a gleba Piquiri, no antigo Município de Foz do Iguaçu e atual Município de Palotina. " (Doc. 03, fl. 09 da numeração no rodapé). (Sem destaques no original).

''A área que hoje compõe este município pertencia a Companhia Brasileira de Viação e Comércio - 'Braviaco', por sucessão à Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande. A origem do direito de propriedade da 'Braviaco' está no Decreto Imperial n° 10.432, de 9 de novembro de 1889, pelo qual concedeu-se ao engenheiro João Teixeira Soares o privilégio para a construção, o uso e o gozo de uma estrada de ferro que iria de Itararé, em São Paulo, a Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul. O mesmo decreto concedeu, ainda, ao mesmo cidadão, as terras devolutas que margeavam a ferrovia.

1º - Com a devida vênia não é esta a leitura que faço do referido texto legal

2º - Nos casos em que houvesse coincidência pacífica entre domínio e posse, aproveitar-se-iam os registros imobiliários existentes.

3º - Nas hipóteses de posse - vale dizer, quando houvesse efetiva presença na área, com aproveitamento econômico da gleba, ainda que sem residência permanente, assegurava-se a aquisição, independentemente de licitação e, até mesmo, com dispensa de pagamento;

4º - Os títulos expedidos pelo Incra ficaram ratificados, independentemente de atos ou formalidades;





ÍNTEGRA DO VOTO.

VOTO PELA PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO.

Ao proferir voto na Reclamação nº 1.074/PR, anotou a ilustre Ministra Ellen Gracie Northfleet, verbis:

A Senhora Ministra Ellen Gracie:

Sr. Presidente:

Pedi vista destes autos, após a manifestação do Relator, Min. Sepúlveda Pertence e do Min. lImar Galvão, que a julgavam improcedente.

Pedindo vênia para divergir, desejo externar minha grave preocupação relativamente à situação jurídica surreal criada a partir do que deveria ser a execução de um julgado desta Corte, a saber, a AC n° 9.621/PR. Os enormes interesses econômicos envolvidos na disputa por glebas de terras de fronteira reconhecidas como das mais férteis áreas agriculturáveis do país, fazem com que a respectiva titularidade se enovele quase inextricavelmente em um sem número de textos legais e provimentos judiciais cuja raiz vamos encontrar em vésperas da proclamação da República.

É essa preocupação que me leva a tecer alguns esclarecimentos, no desejo de que a decisão desta Corte não venha a sofrer interpretações simplificadoras que resultem em efetiva negação do quanto foi afirmado na AC n° 9.621/PR, conforme já se ensaiou em processos semelhantes ao que dá origem à presente reclamação. Verifico, por exemplo, que este plenário já teve necessidade de deferir a reclamação n° 2.020/PR, para sustar a expedição de precatórios relativos a indenizações relativas à mesma área. O acórdão, de lavra do eminente Min. lImar Galvão está assim ementado:

EMENTA: DECISÕES JUDICIAIS PROFERIDAS EM AÇÃO DE EXPROPRIAÇÃO, DETERMINANDO A EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIOS RELATIVOS À INDENIZAÇÃO FIXADA. ALEGADA OFENSA A ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUE DECLAROU DE DOMÍNIO DA UNIÃO AS TERRAS ONDE SITUADAS OS IMÓVEIS EXPROPRIADOS.

Em nosso sistema jurídico-processual a desapropriação rege-se pelo princípio segundo o qual a indenização não será paga senão a quem demonstre ser o titular do domínio do imóvel que lhe serve de objeto (cf. art. 34 do DL nº. 3.365/41; art. 13 do DL nº 554/69; e § 2º do art. 6º da LC nº 76/93).

Caso em que o domínio dos expropriados foi impugnado na própria inicial da expropriação, sem prejuízo do processamento desta, que teve o declarado objetivo de regularizar a situação dos inúmeros ocupantes do imóvel, então submetido a tensão social.

Ação civil em curso, colimando a declaração de que as terras sempre foram de domínio da União, qualidade que, de resto, fora reconhecida por decisão do STF, no RE 52.331, em razão da qual resultou cancelado, por mandado judicial, o registro de que se originaram os títulos aquisitivos dos expropriados.

Absoluta inconsistência, por outro lado, da alegação de que o ajuizamento da ação de desapropriação valeu pelo reconhecimento da legitimidade do domínio dos expropriados sobre o imóvel, raciocínio que, se admitido, levaria à inocuidade do condicionamento legal do pagamento da indenização à prova do domínio.

Tais as circunstâncias, a expedição do precatório determinada pelas decisões impugnadas não se fará sem ofensa ao decidido pelo STF no precedente invocado, porquanto importará indenização, pela União, de suas próprias terras.

Procedência da reclamação.

Também no caso presente, a decisão do TRF/4ª é contrastada com a conclusão alcançada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da AC 9.621/PR. .

Vale rememorar o quanto foi expresso por esta Corte, naquela ocasião:

"Embargos de terceiro, deduzidos por Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional perante o Juiz de Direito da Foz de Iguaçu, e por estes remetidos ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, à consideração de que envolvem litígio entre o Estado do Paraná e a União (Constituição, art. 101, n° I e). - As áreas integradas na concessão que o Governo Imperial fizera à Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande pelo Decreto n° 10.432, de 9 de novembro de 1889, jamais entraram no domínio do Estado do Paraná, porque não eram terras devolutas em 24 de fevereiro de 1891, quando foi promulgada a Constituição da República. - Se a Justiça local, com base no Decreto Ditatorial n° 300, de 1930 e Interventorial n° 20 de 1931, deu ganho de causa ao Estado do Paraná, em 21 de junho de 1940 (acórdão com trânsito em julgado em 28 de setembro do mesmo ano, contra as Companhias de Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande e Brasileira de Viação e Comércio). Tal decisão seria inexeqüível contra a União e cujo Patrimônio estavam os imóveis incorporados "ex vi" dos Decretos-leis nºs 2.073 e 2.436, de 1940.

Embargos julgados procedentes"

No relatório desse julgado, o eminente Ministro-Relator Villas Boas, fez referência expressa às terras que estão sendo desapropriadas por meio da ação em curso perante o egrégio Tribunal Regional Federal da 4a Região, conforme se pode ver do seguinte trecho:

"2. Foi proposta ação sumária, que terminou com a vitória do Estado do Paraná, na Justiça local, por acórdão de 21 de junho de 1940, de que não houve recurso”.

A execução não se fez prontamente, pois são várias as glebas transmitidas - Santa Maria, Silva Jardim, Riozinho, Missões, Catanduva, Ocahy, Piquiri e Pirapó".

E aquele saudoso Ministro da colenda Corte Suprema assim concluiu o seu voto:

"(..) c) Se a Justiça Local deu ganho de causa ao Estado do Paraná, a sua decisão não é evidentemente exeqüível contra a União, a quem os Decretos-leis nºs 2.073 e 2.436 imputaram bens e direitos das Companhias em cujo nome os imóveis estavam registrados.

d) "Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional" órgão criado para a administração das glebas descritas tem irrecusável interesse em impedir o cancelamento dos registros, promovido pelo Estado do Paraná, a quem jamais, a nenhum título, elas pertenceram e assim são de absoluta procedência os embargos de fls. 3 a 15, deduzidos perante o M Juiz da Comarca de Foz do Iguaçu e remetidos a esta Corte Suprema com competência constitucional para a matéria (art. 101, n° L letra e).

e) O meu voto é para que assim se julgue. " (fls. 4/5)

Tudo isso por haver:

"a) impossibilidade de conceituar as terras, onde situa-se, dentre outros, o imóvel "Piquiri", como "devolutas", considerando-se que a partir do Decreto Imperial n° 10.432, de 17.11.1889, haviam sido integradas ao patrimônio da União e transferidas à Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, razão porque não foram de objeto de transferência para o Estado do Paraná por força da Constituição de 1891;

b) ineficácia do Decreto n° 300/30 do Estado do Paraná, posto que não revalidado pelo Governo Revolucionário Central e especialmente por haver-se tornado prejudicado ante o advento do Decreto Lei n° 2.073/40, anterior ao trânsito em julgado do acórdão do TJ/PR, que reconheceu, na lide entre o Estado-Membro e a Braviaco, o direito do primeiro;

c) direito da União Federal à propriedade das terras comentadas. (Ver Acórdão do STF DE 11.10.1963, REL. Min. Villas Boas, publicado na RTJ nº 31/59-67).

É preciso conferir também as manifestações dos Min. Gonçalves Lima:

"0 Estado do Paraná - esclareceu muito bem S. Exa. - nunca teve o domínio dessas terras a que se arrogou por Decreto Legislativo na órbita estadual. E é certo que o Supremo Tribunal, em certa época, mandou que esse litígio fosse julgado pela Justiça do Estado da Guanabara." (fls. 367)

e Hermes Lima:

''As terras, desde o Governo Imperial, nunca foram devolutas. De modo que as terras incorporadas legalmente pelo Governo Federal pertencem, realmente, à União e penso que o voto do eminente Senhor Ministro Relator deixou isso perfeitamente claro. " (fls. 368)

3. Daí porque o eminente Procurador-Geral da República afirma em sua inicial:

''Dúvida não há. Portanto, que o colendo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Apelação Cível n° 9. 621-PR, declarou o imóvel denominado Piquiri, localizado no Estado do Paraná e objeto da desapropriação promovida pelo INCRA, propriedade da União. E tal r. decisão da Excelsa Corte não necessitaria do Decreto-lei n° 1.942/83 para que fosse obedecida pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 4a Região quando do julgamento da Apelação Cível n° 96. 04. 58585-1/PR. Por outro lado, o argumento de que o extinto Tribunal Federal de Recursos teria decidido que o domínio do cito imóvel seria do Estado do Paraná não merece acolhida, porquanto se assim decidisse estaria também ele desrespeitando o v. acórdão do colendo Supremo Tribunal Federal.

Em outras palavras: impunha àquela Corte Regional Federal reconhecer o domínio da União sobre a gleba Piquiri, como decidiu o colendo Supremo Tribunal Federal, e extinguir a ação expropriatória sem julgamento de mérito, porque impossível a desapropriação de terra pública.

Mas o fato é que o egrégio Tribunal Federal da 4a Região nesse sentido não proferiu o seu acórdão. Ao contrário, por maioria, decidiu rejeitar a questão prejudicial e determinar o pagamento da indenização pela desapropriação, desrespeitando, de forma direta, a autoridade do v. acórdão prolatado por esse colendo Supremo Tribunal Federal nos atos da Apelação Cível n° 9. 621-PR, segundo o qual pertencem à União as terras rurais denominadas colônias Piqueroby e Rio Azul, também conhecidas como imóvel Piquiri. "(fls. 6)

O que se decidiu no TRF/4ª foi uma demanda desapropriatória proposta pelo INCRA contra grande número de pessoas, sedizentes proprietárias ou posseiras de terras situadas nas denominadas colônias Piqueroby e Rio Azul, também conhecidas como imóvel Piquiri, situadas, no que é hoje o município de Palotina/PR.

Existem dados incontroversos, entres tantos argumentos de duvidosa valia, alcançados ao longo dos anos, como a pretender criar uma verdadeira cortina de fumaça que prejudica a compreensão do problema. O primeiro e mais importante é o de que a referida área foi declarada como pertencente à União. Disse-o o julgado na AC n° 9.621. A mesma afirmação é repetida no julgado reclamado. Este último, embora reconheça com todas as letras que as terras sejam da União, deixa, porém, ,em seu voto condutor, de extrair desse fato a conclusão lógica que seria de se esperar. Se as terras são da União e a desapropriação proposta pelo Incra a elas diz respeito, temos impossibilidade jurídica do pedido, pois se confundem desapropriante e desapropriado. Não há controvérsia na Corte regional quanto à identidade física da área. Basta ler no voto condutor:

"Na Apelação Cível n° 9.621 o Colendo Supremo Tribunal Federal reconheceu que as terras são inequivocamente de propriedade da União. A gleba Piquiri é expressamente nomeada no acórdão. " (fls. 19)

No entanto, apesar dessa evidência - que fora detectada pelo voto vencido do Des. José Germano da Silva que, por isso mesmo, propunha a extinção do feito - entendeu a maioria da Turma na Corte regional que a questão de domínio - questão que a mesma maioria reafirmara pertencer à União - deveria ser resolvida nas vias ordinárias. Ora, tal conclusão, além de contraditória, faz leitura rasa e não ontológica do texto da Lei de Desapropriações e da Súmula 42 do antigo Tribunal Federal de Recursos. O que ali se quis assegurar foi exatamente a celeridade da conclusão do feito que transfere propriedade particular - constitucionalmente cercada de garantias - para o poder público, sempre que este aponte a necessidade ou utilidade pública que justifique a quebra de tais garantias. A violência contra a garantia da propriedade privada só se justifica porque há necessidade ou utilidade públicas a serem atendidas, sem delonga. Por isso é que, quando ocorra dúvida a respeito da titularidade entre A e B, ambos particulares, essa querela não interrompe o feito desapropriatório, que visa atender interesse público. A e B solucionarão suas divergências sobre o domínio nas vias ordinárias. A decisão daí advinda fará com que a indenização correspondente seja paga ao vencedor desta ação. O que não é razoável é que se aplique o mesmo dispositivo quando dúvida sobre domínio já não há e ele iniludivelmente está fixado na União Federal, que evidentemente não precisa indenizar a si mesma. Conseqüentemente, a ação desapropriatória é exercício inútil. Supostamente intentada para solucionar grave conflito na área em questão, a ação desapropriatória, nascida inviável, somente acrescenta intolerável confusão que se prolonga e sobrecarrega os tribunais há quase trinta anos!

Mas, apesar dessa evidência, o Tribunal Regional determinou que a questão dominial fosse ainda uma vez rediscutida nas vias ordinárias ou solucionada na ação civil pública que foi interposta pelo Ministério Público Federal na tentativa desesperada de estancar de alguma forma a sangria dos cofres públicos prestes a se perpetrar.

5. Vejamos o retrospecto histórico da situação fundiária: as terras foram originalmente concedidas pelo Decreto Imperial n° 10.432, de 9/11/1889, ao Eng. João Teixeira Soares para construção de uma estrada de ferro que iria de Itararé/SP a Santa Maria da Boca do Monte/RS. O mesmo decreto concedeu ainda, ao mesmo empreendedor, as terras devo lutas que margeavam a ferrovia (f. 23).

Posteriormente, a empresa Braviaco, sucessora do já mencionado empreendedor, foi autorizada pela Comissão Mista (ver f. 24) a vender 25.310 alqueires, o que foi feito (mediante novas intermediaçães: Ruy Castro e Pinho e Terras, Ltda.), resultando num projeto de colonização do qual surgiu o Município de Palotina/PR.

A partir daqui é valioso transcrever o testemunho dado por ex-prefeito daquele município e que vai transcrito na peça de fl. 14/29:

"Caminhava, portanto, o município de Palotina a passos largos em direção a seu futuro de prosperidade e grandeza, quando alça-se ao comando Político do Estado a figura celebérrima do Moysés Lupion, acompanhado de uma corte faminta por lucros fáceis. E lá se foi a tranqüilidade de nossos habitantes.

Pretendendo apossar-se daquelas terras fertilíssimas, mas, tendo contra sua pretensão as transcrições imobiliárias que escudavam o direito dos sucessores da "Braviaco" e de Ruy de Castro, Lupion simplesmente rebatizou a gleba Piquiry, passando a denominá-la por colônias Rio Azul, Piquerobí e Pindorama, designações com as quais titulou-a toda, não em favor dos que a trabalhavam e faziam produzir, mas em favor de seus apaniguados, os chamados "lavradores do asfalto".

E, pasme V Exa., esses títulos de Lupion, em flagrante duplicidade registraria, foram "normalmente" transcritos no Registro de Imóveis. Ademais, o D. G. T. C. (Departamento de Terras) em tempo algum fez qualquer medição ou demarcação na propriedade de Ruy de Castro ou na parte restante, ainda de propriedade da Braviaco. Acrescente-se a isto que na área de Palotina jamais qualquer titulado do Estado teve posse, nem ali plantou um único pé de couve.

Claro está que esses registros dúplices geraram situações complexas, as quais desencadearam conflitos de graves proporções entre sucessores de Ruy de Castro e titulados do Estado, estes acobertados ostensiva e acintosamente pela Política de Lupion. E, como não poderia deixar de ser, o sangue correu fartamente, a ponto de a 5ª Cia. de Fronteiras, do Exército Nacional, haver destacado um grupo para Palotina a fim de coibir os desmandos praticados pelos

Sicários do Governo Estadual.(doc.83, fls. 66/68).

Os títulos dos interessados que foram admitidos nestes autos são originados de um chamado "título de domínio pleno de terras, expedido pelo Departamento de Geografia, Terras e Colonização (do Estado do Paraná) que, por sua vez, seria decorrente de uma "sentença" administrativa, vem todos datados de 3 de julho de 1957 (ver fl. 42/76), ocasião em que a gleba referida já se encontrava sub judice perante este Supremo Tribunal Federal (AC n° 9.621/PR - Embargos de Terceiros)

Os interessados tentam confundir os julgadores com a afirmação absurda segundo a qual os originais 20 km da faixa da ferrovia se teriam estendido por todos os 800 km de extensão do estado do Paraná. Não. Assim como se espera que a pretensão indenizatória dos interessados também não se queira agrandar tanto. A discussão serve, apenas, para desfocar a controvérsia que não tem, nem nunca teve centro neste aspecto que restou até aqui incontroverso. Mas, para que não pairem dúvidas, cabe consultar o texto elaborado pelo diligente Procurador da República Dr. Domingos Sávio Tenório de Amorim (f. 346).

"(. .) Então, se o STF decidiu que as terras em questão integram a Apelação Cível n°9. 621-1-PR e a decisão fez coisa julgada, é óbvio que não cabe mais a invocação e questionamento no sentido de que as terras estão fora da linha relacionada à Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande”.

Entretanto, se a parte quer conhecer as razões históricas de terem as citadas terras ido parar na propriedade da empresa BRAVIACO, sucessora da Estrada de Ferro São Paulo/ Rio Grande, é fácil a demonstração.

Inicialmente é de se deixar claro que as áreas em comento realmente não são as mesmas previstas no Decreto Imperial n° 10.432, de 07. 11.1889, fato que pode ser fixado a partir da PLANTA da VIAÇÃO do ESTADO do PARANÁ em 1908, ORGANIZADO PELA DIRETORIA de OBRAS E VIAÇÃO' (doc. 02 e 02-A), quando se observa que a Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, parcialmente construída, passava por local diverso, mais próxima do Leste que do Oeste do citado ente federativo.

Assim, é de se ver que a propriedade das glebas elencadas na Apelação Cível n° 9. 621-1-PR em favor da BRAVIACO não aconteceu por determinação direta do Decreto Imperial n° 10.432, de 07.11.1889, onde o Governo Imperial concedeu as terras ao lado da projetada Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande ao Engº. JOÃO TEIXEIRA SOARES. A primeira pista para a afirmativa anterior encontra-se na defesa realizada pelo Estado do Paraná nos autos da Apelação Cível n° 9. 621-1/PR, in verbis:

''Do mesmo modo as terras até então não utilizadas, cedidas pelo Governo Paranaense à Companhia (referia-se à BRAVIACO), como compensação das deficiências das terras devolutas ao longo da linha e dos ramais citados, por culpa do Estado do Paraná, também reverteram ao domínio do Estado." (Doc. 01, fl. 16 da numeração no rodapé)

Então, percebe-se que, diante do não aproveitamento das terras concedidas pelo Decreto Imperial, por culpa do Estado do Paraná, como ele próprio confessou na passagem transcrita da sua contestação, as glebas constantes do julgamento do SUPREMO TRIBUNAL foram outorgadas para a BRAVIACO pelo próprio Estado-Membro, a título de compensação.

Repita-se, pois, que essas terras foram parar no patrimônio da Estrada de Ferro São Paulo/ Rio Grande em razão de negócio jurídico celebrado com o Estado do Paraná, onde se procedeu a uma compensação, certamente pela impossibilidade factícia de utilização daquelas que foram objeto de concessão pelo Decreto Imperial. A outorga do Estado do Paraná em favor da BRAVIACO é também noticiada no doe. 03, in verbis:

" (...) que, em 1.924, o Estado do Paraná titulou à Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande/ BRAVIACO - a gleba Piquiri, no antigo Município de Foz do Iguaçu e atual Município de Palotina. " (Doc. 03, fl. 09 da numeração no rodapé). (Sem destaques no original).

''A área que hoje compõe este município pertencia a Companhia Brasileira de Viação e Comércio - 'Braviaco', por sucessão à Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande. A origem do direito de propriedade da 'Braviaco' está no Decreto Imperial n° 10.432, de 9 de novembro de 1889, pelo qual concedeu-se ao engenheiro João Teixeira Soares o privilégio para a construção, o uso e o gozo de uma estrada de ferro que iria de Itararé, em São Paulo, a Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul. O mesmo decreto concedeu, ainda, ao mesmo cidadão, as terras devolutas que margeavam a ferrovia.

O Estado do Paraná, que, no início, relutara em reconhecer o direito da Cia. São Paulo/Rio Grande (empresa fornada por Teixeira Soares) as terras cedidas pelo Império, acabou por assinar com ela, em 1917 e 1920, contratos através dos quais reconhecia dever entregar àquela empresa 2.100.000 hectares de terras por força das linhas efetivamente construídas e ainda hoje em tráfego.

Parte desse direito a Cia. São Paulo/Rio Grande, com anuência do Estado do Paraná (termo solene lavrado na Procuradoria-Geral do Estado, a fls. 145 do Livro n° 11 de Contratos), transferiu à Braviaco (escritura pública de 5 de outubro de 1920, lavrada nas notas do 4° Oficio da cidade do Rio de Janeiro), razão porque a este foram tituladas diretamente as glebas Ocoy, Catanduvas, Pirapó e PIQUIRY, sendo que em parte desta última veio a formar-se, mais tarde, o Município de Palotina. " (Doc. 03, fls. 58 e 59 da numeração no rodapé)

Daí, é possível afirmar que apenas de forma indireta essas terras têm origem no Decreto Imperial n° 10.432/1889, pois, em verdade, foram transmitidas à Braviaco pelo próprio Estado do Paraná, em compensação pela área prevista no citado ato imperial, na conformidade com escritura pública lavrada, no dia 05.10.1920, nas notas do 4° Oficio da cidade do Rio de Janeiro.

Ressalte-se que essa transferência já ocorreu a non domino, visto que as terras, encontram-se na faixa de 66 Km a partir da linha de fronteira, cuja propriedade enquadrava-se como da União Federal, conforme se infere da Lei Imperial n° 601 /1850.

Em conclusão, pois, inquestionável se apresenta o abarcamento de toda área pelo ;julgamento prolatado na Apelação Cível n° 9. 621-1/PR, ainda que não seja ela aquela prevista no Decreto Imperial. (Vide docs. 04, 04-A, 04-B, 04-C).

6. Quanto à fundamentação inicial pela qual o eminente Min. Relator indefere a reclamação, verifico que sua utilização dá o efeito de rescisória ao presente pedido, em verdadeira reformatio in pejus contra a Procuradoria da República a qual, denodadamente, vem tentando por todos os meios possíveis, seja utilizando-se da ação civil pública, bem como, de todos os recursos cabíveis nos processos expropriatórios, obstaculizar o que se afigura como um saque aos cofres públicos.

Disse S. Exa. em seu voto, após referir a exposição de motivos do Decreto-Lei n° 1.942/82 e o próprio texto legislativo, que:

"...é inequívoco, o DI 1.942/82, a pretexto de disciplinar o cumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, modificou-a substancialmente, ao prescrever, por um lado, a transferência do domínio aos seus legítimos possuidores -independentemente de novo pagamento à União, se já anteriormente pago o imóvel ao Estado do Paraná ou a autarquia sua - e ao estabelecer, por outro, a subsistência de todos os registros imobiliários”. II

E, prossegue S. Exa. para concluir:

"E, tão profunda foi essa modificação do julgado, que a execução desse acórdão - que visava ao cancelamento de todos os registros relativos a essas áreas e se arrastava há mais de 15 anos - acabou sendo extinta em maio de 1984" (f. 704)

''Note-se, de passagem, não parecer oponível à validez do decreto-lei haver contrariado a alegada coisa julgada constituída em favor da União: tende o Tribunal a considerar que as garantias constitucionais contra a irretroatividade da lei em prejuízo do direito adquirido, do ato jurídico e da coisa julgada - instituída em favor da segurança jurídica do particular contra o Estado - não são invocáveis pela entidade estatal, particularmente, se dela própria emanou a lei retroativa (v.g., ADInMC 712, 7.10.92; Celso, RTJ 144/435; RE 206.965,9.9.97, Galvão, 24.10.97; RE 173.249,2.2.97, Moreira, 6.3.98; RE 215.756,24.3.98, Moreira, 8.5.98; RE 153.662,14.3.00, Pertence, 7.4.01; RE 177.888, 15.6.99, Moreira, RTJ 170/650; RE 167.887,30.5.00, Gallotti, Inf. 191). "

Portanto, para S. Exa., o advento do DI n° 1.942/82 faz tábula rasa do que anteriormente havia sido definido relativamente ao domínio das terras da região.

7. Com a devida vênia não é esta a leitura que faço do referido texto legal. No objetivo de pacificar a disputa fundiária o DI n° 1.942/82 imaginou algumas soluções:

(1) nos casos em que houvesse coincidência pacífica entre domínio e posse, aproveitar-se-iam os registros imobiliários existentes. Nesta hipótese previu-se que ao título seria averbada declaração expressa do INCRA sobre o ajustamento, caso a caso, da situação do beneficiado às disposições do decreto-lei;

(2) nas hipóteses de posse - vale dizer, quando houvesse efetiva presença na área, com aproveitamento econômico da gleba, ainda que sem residência permanente, assegurava-se a aquisição, independentemente de licitação e, até mesmo, com dispensa de pagamento;

(3) os títulos expedidos pelo Incra ficaram ratificados, independentemente de atos ou formalidades;

(4) a União renunciou à execução do acórdão relativamente às terras situadas em perímetro urbano;

(5) o decreto ainda declarou subsistentes todos os registros imobiliários (enquanto se procedesse à regularização) para o efeito de garantir terceiros relativamente a obrigações para com eles assumidas.

Logo, como se vê, ainda que houvesse cogitado de uma rescisão do julgado na AC n° 9.621, o decreto-lei estabeleceu algumas balizas muito claras. Expressamente renunciou à execução do acórdão expressa e exclusivamente com relação às terras situadas em perímetro urbano. Quanto às demais (glebas rurais, como as de que aqui se cogita, portanto) ficou assegurada a aquisição, independentemente de licitação ou, mesmo de pagamento, desde que verificada a existência de posse sobre a gleba, vale dizer, ocupação e exploração, ainda que sem coincidência de domicílio. Os títulos, esses foram declarados subsistentes, mas, para o só efeito de garantir terceiros relativamente a obrigações para com eles assumidas.

Mas, com relação aos interessados que se fizeram presentes nesses autos, não há como reconhecer a existência de posse sobre as glebas que pretendem ver indenizadas. Isso porque à época em que editado o decreto-lei (1982), as mesmas terras já haviam sido declaradas de utilidade pública para efeito de desapropriação pela União, o que se deu em 1974. A ação de desapropriação respectiva foi proposta pelo Incra no mesmo ano e, posteriormente desmembrada, ante a impossibilidade de processamento, nos mesmos autos, de centenas de desapropriações contra diversos réus. Com a imissão na posse pelo

Incra, esta induvidosamente foi repassada ao órgão público. Não há, assim, como manter que, em 1982, os interessados detivessem posse, mesmo teórica, sobre a área. E, esta constatação os exclui, necessariamente, da incidência dos dispositivos do referido decreto.

Não vejo como reconhecer posse a quem já foi dela demitido, por força de um decreto expropriatório devidamente executado, mediante a respectiva imissão na autarquia fundiária.

8. Diz mais o eminente relator que a hipótese não se comporta dentre as tantas em que o tribunal tem admitido o manejo da reclamação:

"De qualquer sorte, a mera possibilidade de a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal haver sido legitimamente modificada, no ponto que interessa, pelo decreto-lei superveniente - a substantivar, à primeira vista, uma série de renúncias da União aos efeitos do acórdão - já levaria a controvérsia para fora dos estreitos limites da reclamação”.

Com efeito, no processo sumário e documental da reclamação, adstringe-se o âmbito de cognição do Tribunal à verificação de conformidade entre a decisão por ele proferida -considerada a situação de fato e de direito à luz da qual exarada - e o ato posterior reclamado. "

Por isso conclui S.Exa. que "não é a reclamação a sede adequada para decidir da validade e da eficácia de ato com hierarquia legal posterior ao acórdão cuja autoridade se pretende desrespeitada. "

9. Quase acompanharia o eminente relator, mas, para, nesse caso, recusar conhecimento à reclamação. Verifico, porém que no ponto, ou seja a definição do domínio da União sobre a gleba Piquiri - trato de terra a respeito de cuja identidade física e localização não há controvérsia - o tantas vezes referido decreto-lei não inova. Antes, parte do pressuposto de que as terras são do domínio da União. E essa titularidade que abre ensejo ao legislador a renunciar expressamente à propriedade, no que respeita às áreas urbanas que sobre elas se formaram. E a estabelecer condições para a regularização das demais.

Logo, o objeto desse pedido continua sendo o de contrastar o julgado do TRF/4ª com a decisão da AC n° 9.621. Por isso, também em relação a esse argumento divirjo de S.Exa.

Mas, como ponto derradeiro S.Exa. relembra que "ao afirmar, expressamente que a titularidade do domínio não estava em pauta" o aresto reclamado "não desrespeitou nem poderia desrespeitar a autoridade do acórdão proferido na AC n° 9.621." Ou seja, concordamos todos com um único fato: o de que o domínio das terras pertence à União. Dígo a AC n° 9.621, o Decreto-lei n° 1.942/82, e o acórdão reclamado que, no entanto, surpreendentemente, determina que se volte a discutir o tema nas vias ordinárias.

Porém, com a devida vênia recairemos em uma petição de princípio se admitirmos que, apesar de lançada tal premissa, ainda assim, siga-se a exigência de re-demonstrá-ia em instância ordinária, num inconcebível ritornello. Não desconheço que a reclamação não se presta a corrigir erro de julgamento, mas, sim, a obviar que seja desrespeitada decisão da Corte.

O tribunal regional, como se viu, afirma o acatamento ao quanto decidido na AC n° 9.621. Mas, tal acatamento, ao que parece, é apenas retórico, pois dele não extrai o acórdão reclamado a conclusão que seria obrigatória. Portanto, a desobediência ao julgado, embora dissimulada, nem por isso deixa de se verificar e mais, de demonstrar-se eficiente. Tanto assim é que, apenas em sede de embargos declaratórios, logrou a Procuradoria da República obter a determinação de que os valores respectivos ficassem retidos até final solução da controvérsia. Controvérsia sobre o que? Controvérsia sobre o domínio, a respeito do qual o voto condutor afirmara não haver dúvidas, pois fora fixado pela decisão na AC n° 9.621. Ora, estamos aqui literalmente andando em círculos. Reavivando questões já decididas e sobre as quais se afirma uma aceitação que não corresponde à determinação contraditória que lhe segue no mesmo sopro. Pois, se o domínio é da União, o que há para indagar na via ordinária?

De todo o exposto, vendo no caso hipótese em que, inobstante a alegada submissão à decisão desta Corte, o acórdão reclamado, na essência e na decorrência prática de sua conclusão o toma insubsistente, dou provimento ao pedido para cassar a decisão proferida pela 3ª Turma do TRF/4ª, nos autos da AC n° 96.04.58585-1/PR e determinar que nova seja proferida com atenção ao quanto decidido, relativamente ao domínio da gleba em questão nos autos da AC n° 9.621/PR."."

Por esses motivos, reiterando o voto que proferi, voto por negar provimento às apelações.

É o meu voto.

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